Paraty, o Segundo Polo Turístico do Estado do Rio de Janeiro…
Paraty, o polo turístico que reflete a natureza no seu produto turístico mais nobre, o ser humano.
Fundada em 1667, somente em 2019, a cidade colonial de Paraty e a Ilha Grande foram declaradas Patrimônio da Humanidade pela Unesco, por sua mistura única de riquezas históricas e naturais. Trata-se do primeiro lugar misto (patrimônio cultural e natural) do Brasil. No entanto, a história da região é desde muito antecedentemente recheada de significados econômico, social e humano.
Da próxima vez que você for visitar Paraty, não o faça apenas por seus muitos atrativos naturais. Leve na bagagem a consciência de ser um brasileiro, que compreende as razões pelas quais tantos cidadãos do mundo, que também amam Paraty, têm consciência de refazer os passos de seus ancestrais numa saga que foi da humanidade, em que o interesse por domínio e exploração econômicos não resistiu ao encantamento social de ser parte da riquíssima diversidade humana, hoje compreensível pela ciência das ciências, a História.
Segundo o tupinólogo Eduardo de Almeida Navarro a etimologia tupi antiga parati’y, com o significado de “rio dos paratis”, pela junção de parati (parati) e ‘y (rio). “Parati” é tanto uma espécie de peixe da família dos mugilídeos quanto uma variedade de mandioca.
Antes dos portugueses chegarem, a região de Paraty era habitada por índios guaianás. Por volta do ano 1000, foram expulsos para o interior pelos tupis, procedentes da Amazônia, em migração que deu origem aos tamoios, que ficariam famosos por sua aliança com franceses e holandeses, e, portanto, temidos por portugueses. Nos primeiros anos do século XVI, os portugueses já conheciam a trilha que partia de Paraty para o Vale do Paraíba, onde só em 1941 se iniciou a siderurgia brasileira de grande escala (durante a 2ª Guerra Mundial) com a Companhia Siderúrgica Nacional.
Paraty, Terra (e Mar) de Piratas e Mercenários
O primeiro registro conhecido sobre a região da atual Paraty é o livro escrito pelo mercenário alemão Hans Staden, “História verdadeira e descrição de um país de selvagens…” (Marburgo, 1557), em que relata sobre os Tupinambás nas regiões de Paraty e de Angra dos Reis.
Paraty tem intimidade com a história dos piratas, que infestavam o nosso litoral desde antes da viagem de Pedro Álvares Cabral em 1500, patrocinada pela coroa portuguesa, pelo que se declarou que eram terras portuguesas de além mar. A colonização começou apenas em 1532. No século seguinte, era um refúgio seguro e próximo da capital, para piratas e mercenários de todas as origens, tendo-se em vista a tecnologia de então.
Naquela época, nenhum cidadão fazia turismo em uma Paraty sem tecnologia, conforto, medicina, gastronomia, sem feiras de livros, e sobretudo sem segurança. O governo não confiava em ninguém e não ocupava a região, o que fazia parte do estilo inglês de colonização, não do português. A organização e o condicionamento sociais na prática eram ditados pela informalidade, muito semelhante ao que acontece hoje feito pelo crime organizado em tantos lugares urbanos.
Entretanto, o bom dessa história para o turismo foi que as pessoas nativas foram vivendo como puderam, e a natureza foi preservada, como que por uma mão divina. Os piratas foram úteis para manter afastados os ambiciosos portugueses, que preferiram devastar regiões auríferas, e apenas passavam tropeiros pela região, a caminho ou retornando de São Paulo e Minas Gerais.
Devemos aos piratas, portanto, por mais incômodo que isso possa parecer, o regalo da natureza ao turismo. Mais do que isso, também devemos a tributação que a região arrecada, a geração de empregos, e sobretudo um grande potencial a ser explorado modernamente, de modo menos agressivo, sob as vistas tenazes de muitas organizações protetoras.
As Etapas de Paraty, em Relação aos Ciclos Econômicos
O Ciclo do Ouro em Paraty
No alvorecer do século XVIII, em 1702, o governador da capitania do Rio de Janeiro determinou que as mercadorias somente poderiam ingressar na Colônia pela cidade do Rio de Janeiro e daí tomar o rumo de Paraty, de onde seguiriam para as Minas Gerais pela antiga trilha indígena, então pavimentada com pedras irregulares, que passou a ser conhecida por Caminho do Ouro.
A estratégia para conter a evasão de pepitas, que não acabavam no erário real, produziu um fenômeno no vilarejo. No início o Ciclo do Ouro foi febril, quem era pego fazendo outro caminho pagava caro. Centenas, e logo milhares de tropeiros, invadiram o sossego tradicional de Paraty, que teve de adaptar para oferecer “comida e dormida” para tanta gente, e uma quantidade incomum de animais. A urbanidade evoluiu muito nesse período.
Mas em 1710, o transporte de ouro pela estrada de Paraty foi proibido, o que provocou rebelião na população. A proibição foi revogada e reeditada, mas a abertura de um caminho novo que ligou o Rio de Janeiro a Minas Gerais frustrou de vez os inconformados. Paraty se esvaziou, e permaneceu assim por muito tempo.
A Cana de Açúcar em Paraty
Já existia a cultura de cana na região no século XVII, porém nada que se comparasse ao modismo da cana entre os fazendeiros, como aconteceu depois. No século XVIII, há registro de mais de 250 engenhos produzindo cana e 150 destilarias. Nesse período a região produziu tanta cachaça, que se tradicionalizou no Brasil o termo “parati” para designar a aguardente, a “água que passarinho não bebe”, tanto quanto o termo “pinga” do povo de Minas Gerais, que melhor reflete a modéstia do mineiro.
Mesmo hoje, passado tanto tempo, e tendo-se reduzido tanto a produção, o turismo da região ainda ostenta a cachaça de Paraty com apelo cultural, nos comércios do centro da cidade. Não é um exagero o status de artesanal e “cultural”, lá se produziu muita cachaça durante anos a fio. E ainda é consumida até mesmo por turistas estrangeiros.
O Café em Paraty
No século XIX, tamanha era a pressão da Inglaterra pela abolição da escravidão africana, que não podia suportar a capacidade produtiva dos escravos na concorrência dos produtos brasileiros, já que ela havia abolido essa prática na sua produção, que o regente Padre Antonio Diogo Feijó, proibiu por decreto o desembarque de escravos na capital. Assim se ludibriou a vigilância dos navios da rainha, que aprenderam outros. Na época ninguém tinha poderio naval comparável ao da Inglaterra, nem o apoio nos tratados internacionais que ela mesma costurou, conforme assegura o famoso escritor brasileiro Laurentino Gomes, na sua obra “1808”, dentre outras.
As rotas antes usadas para o escoamento da mineração, passaram a servir ao tráfico de negros escravos, e ao café que começava a circular no Vale do Rio Paraíba do Sul com desenvoltura. A afluência e navegabilidade deste rio foi fundamental no ciclo do café, que vinha de longe transportado em barcaças rasas e seguras, sem tubarões ou piratas.
O Ciclo do Turismo de Paraty
Enfim, chegamos com melhores condições e informações para entender o complexo cultural da região de Paraty, que tanto encanta a turistas do mundo todo.
A notação de “ciclo econômico” aqui não tem a expressão de outros ciclos. Mas para a cidade teve de fato e de direito, por conta do reconhecimento internacional atribuído ao turismo de Paraty, e por sua vocação natural, interativa em relação a outros movimentos modernos também focados na preservação da natureza.
O principal fator para a materialização do sonho do turismo em Paraty, foi a reabertura em 1964 da estrada Paraty-Cunha, em São Paulo. O conjunto histórico havia sido tombado em 1958, pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional. E com a abertura da Rio-Santos (1973) o movimento turístico aumentou ainda mais.
Hoje em dia Paraty já é o segundo polo turístico do estado, e 17º do país. O jornal The New York Times fez a sua parte, destacando Paraty como o destino turístico mais rico da costa verde brasileira. E em 2007 foi uma das raras cidades (não capitais) que tiveram a honra de receber a tocha dos Jogos Pan-Americanos, dias antes do famoso evento começar.
Arquitetura Colonial de Paraty
O casario típico do chamado Centro Histórico, e a sua arquitetura colonial belíssima, de alguma forma resistiu à estagnação do século XX. Os espaços foram requalificados como restaurantes, pousadas, lojas de artesanato e museus, mas não foram arquitetonicamente descaracterizados.
De casa em casa se anda a pé, por ruas de pedras irregulares, exatamente como no tempo em que ainda não havia veículos motorizados, que hoje são proibidos de circular na maior parte do centro. Paraty se esforçou para sobreviver à modernidade, é extremamente bucólica, provinciana e romântica. É cercada por áreas de preservação, tem mais de 60 ilhas e 90 praias.
Outro interesse turístico são os esportes de aventura. Trilhas de servidão do tempo dos escravos passam por comunidades caiçaras, onde se tem algum conforto para depois seguir. Vela, “surf” e mergulho submarino autônomo, são preferenciais principalmente na baía da Ilha Grande, de águas cristalinas e sempre tépidas.
A canoagem marítima oferece roteiros de até mais de um dia, que percorrem a baía da Cajaíba e o saco de Mamanguá. Quem gosta de levar pancadas das ondas, e prefere a prancha de “surf”, conta com muitas opções, desde a ponta da Joatinga, e passando pelas praias oceânicas da Sumaca, Martin de Sá, dos Antigos, do Sono, e absolutamente todas da vila de Trindade. Em todas as localidades, a rede hoteleira é formada por pousadas pequenas e familiares. No Ciclo do Turismo, essa atividade é a maior fonte de renda da cidade.
Principais Opções de Turismo em Paraty
Além do Centro Histórico de Paraty, obviamente o mais visitado, há muitas alternativas a serem descobertas, ou revisitadas, pelo turista que gosta de admirar e entender.
O Caminho do Ouro de Paraty cujos trechos são Sítios Arqueológicos registrados pelo IFHAN, construído entre os séculos XVII e XIX, sobre trilhas guaianazes ainda mais antigas.
O Forte Defensor Perpétuo de Paraty foi erguido para defender a cidade de invasores, a grande preocupação da coroa portuguesa na época, e também foi a origem do primeiro povoado.
O Saco de Mamanguá de Paraty e o pico do Pão de Açúcar de Paraty. Para ter acesso ao local é necessário a ajuda de um guia ou uma agência de passeios especializada.
Paraty Mirim, cujo conjunto arquitetônico possui especial interesse cultural, além de também ser registrado como sítio arqueológico pelo IPHAN, tem uma paisagem natural maravilhosa e abriga a mais antiga igreja da cidade e possui uma mata extensa ao seu redor.
O Parque Nacional da Bocaina faz divisa entre Rio de Janeiro e São Paulo, com área de 134 mil hectares e uma biodiversidade quase intocada, e com diversas locações turísticas naturais.
Enfim… além desses locais há uma grande quantidade de outros de grande interesse turístico, arquitetônico, artístico, paisagístico, natural e cultural. Sem falar em saborear a gastronomia de Paraty, doces típicos como massapão, manuê de bacia, comidas feitas com frutos do mar abundantes na região e colhidos artesanalmente pelas comunidades de pescadores nativos. Ainda tem a agricultura orgânica, com a chancela da UNESCO.
Concluímos que
Há bastante coisa esperando por sua visita no Brasil. Um paraíso preservado. Uma história que nos faz refletir sobre o que devemos preservar para os nossos descendentes e todas as gerações futuras. E sobre que não devemos repetir erros, em vez disso devemos ter uma atitude lúcida a respeito de preservação de tudo o que é bom, e o consenso segundo o qual a modernidade não tem que ser necessariamente destrutiva da memória para ser lucrativa.
Não ter memória do que já fomos, é não ter consciência do que podemos e devemos ser no futuro. É não saber o que dizer às nossas crianças, e reconhecer equivocadamente que o poder de governo deve se encarregar disso. Um tipo de auto genocídio da humanidade, sem haver a quem levar para o tribunal de Haia.
Portanto, faça turismo e encante-se com as incontáveis belezas naturais no Brasil. Mas procure saber a história que cada lugar esconde. A História é a ciência da “memória”, da cidadania, do respeito por si próprio, da consciência de ser. Sobretudo, não esqueça de cuidar do seu patrimônio; seus descendentes vão agradecer. Nos próximos artigos mostraremos para você outras belezas incontestáveis da natureza viva de um país que tanto oferece e pouco é cuidado e valorizado por seus habitantes.
Por Olheinfo | Paulo Eduardo Dubiel, com Lou Pully.