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O Brasil que o mercado financeiro quer

Na Expert 2018, maior feira de investidores do mundo, as filas homéricas por brindes baratos, a frustração com a ausência de Paulo Guedes e a frase onipresente: “Tudo, menos o PT”

“O mercado financeiro é anti-PT e fechou com o candidato mais forte da direita, que é o Bolsonaro”, resumiu Michel Carvalho, assessor da Maxi Capital.

Por Luís Lima / Agência O Globo

Na semana passada, em sua oitava edição, a Expert 2018, a feira de investimentos promovida pela corretora XP no Transamerica Expo Center, na Zona Sul de São Paulo, reuniu cerca de 15 mil pessoas — a maioria investidores, gestores e assessores do chamado mercado financeiro. Com ingressos que variavam de R$ 700 a R$ 2.400, uma turba de desengravatados e mulheres de terninho circulou aplicada pelo espaço de 20.000 metros quadrados recheado de estandes de seguradoras, bancos, corretoras e até escritórios de advocacia. Eles estavam ali para saber das novidades, encontrar colegas do ramo, fazer contatos e assistir a palestras como “Criptoativos e a tecnologia do blockchain”, “Diversificação através de investimento no exterior”, “Perspectivas de tributação sobre investimentos” e “Como automatizar seus investimentos com robôs”. A feira é considerada a maior do setor no planeta. Todos os ingressos foram vendidos.

Por três dias, de quinta-feira 20 a sábado 22, o local parecia um mix da Avenida Brigadeiro Faria Lima, epicentro do mercado financeiro na capital paulista, com o Salão do Automóvel e parque de diversões com propósito motivacional. Eram centenas e centenas nas filas para pegar brindes — de bloquinhos a xícaras com a caricatura da pessoa (o mais disputado), de balinhas a canetas com o nome gravado na hora —, para experimentar brincadeiras como dirigir um carrinho de videogame, para tomar café preparado pelo chef Alex Atala, para chutar bola a um golzinho, para jogar sinuca, para brincar de escalar uma parede, para conseguir uma cadeira nas palestras mais disputadas. Entre os 180 conferencistas, youtubers, Amyr Klink, Bill Clinton, Luciano Huck, Luiz Felipe Pondé e bambambãs do mercado.

Para facilitar o acesso, a XP preparou uma oferta de traslado por helicóptero do aeroporto internacional de Guarulhos ao heliponto do Hotel Transamerica, que fica ao lado do centro de exposições. A reserva podia ser feita diretamente por aplicativo ou no site da plataforma parceira de compartilhamento de assentos de voos executivos. Toda a programação e um chat para facilitar o networking estavam no aplicativo, um motivo a mais para os frequentadores não tirarem os olhos de seus iPhones. No convite, recomendava-se o uso de “peças usuais de um dia normal de trabalho”. Homens vestiam paletó, cinza, azul ou preto, sem gravata, com camisas em tons pastel e quadriculadas; mulheres usavam calças, vestidos e saias risca de giz.

Por R$ 130 por pessoa e reserva prévia, quem quisesse poderia comer em um espaço de outro restaurante de Atala, o Dalva e Dito. O menu do primeiro dia trazia como opções de prato principal rabada com agrião, canjiquinha, arroz branco e pirão, além de pirarucu ao molho de azeite de ervas e pimenta-de-cheiro com chibé.

O espaço foi dividido em três grandes áreas, com nomes em inglês: Expert Sessions e Learning Sessions, na plenária, e as chamadas Pop-Up Sessions, distribuídas no espaço da feira, batizadas de Londres, Genebra, Miami, Nova York e São Paulo. No salão principal, havia um grande palco, como um picadeiro, rodeado por cadeiras de ferro almofadadas. Como o local é enorme e algumas palestras eram simultâneas, todos os convidados tinham de usar fones de ouvido e sintonizar no palestrante que queriam escutar. Também por causa da grandiosidade do evento, as perguntas da plateia eram feitas pelo aplicativo e recebiam resposta aquelas com mais likes.

No meio do mar de ofertas, o estande montado pela seguradora Prudential se destacava por abrigar uma festa havaiana. Aos participantes, que usavam os obrigatórios colares com flores de plástico, eram oferecidos drinks temáticos, quatro tipos de caipirinha, gim-tônica, espumante, vinho tinto chileno e chope. Apesar de o momento ser de relaxamento, como em qualquer bar por aí, o assunto dominante era a inevitável angústia em torno da eleição presidencial. Com um copo de blue hawaii na mão, uma das presentes contou sua trajetória de intenção de voto nesta campanha. Disse que originalmente votaria em João Amoêdo, presidenciável do Novo, “por suas ideias liberais”, e que num segundo momento cogitou o tucano Geraldo Alckmin, um “reformista por excelência”. “Mas eles não decolaram, não é? Por falta de opção, em um eventual segundo turno contra (Fernando) Haddad, é claro que vou de Bolsonaro. Tudo menos PT”, disse, ao lado de duas amigas, que endossaram a manifestação.

Perto dali, a conversa era a mesma. “O Brasil está parado por causa da eleição. É extremismo dos dois lados: esquerda e direita. Só radicalismo”, lamentou um analista com crachá da corretora BlueTrade Invest a quatro colegas. “O que mais me assusta é que parte do país tem mais medo de alguém que ‘fala m…’ do que de um bandido que está na cadeia. O (Jair) Bolsonaro fala ‘m…’, mas o bandido é o Lula. Culpa do politicamente correto”, justificou — e recebeu apoio dos quatro profissionais de mercado com quem conversava. “Bom, vamos beber, não é? É o jeito.”

Não por acaso, a frustração com o desempenho do tucano Geraldo Alckmin nas pesquisas — que àquela altura amargava 8% das intenções de voto — dominava todas as rodinhas. Ia de encontro às pesquisas eleitorais contratadas pela XP, consumidas em mesas de operação e salas de bancos de investimento. Há meses, os levantamentos pagos pela empresa mostram que a maior parte do mercado financeiro apostava em Alckmin e agora se via órfã de um candidato para chamar de seu.

“Já jogou Resta Um? O mercado financeiro é anti-PT e fechou com o candidato mais forte da direita, que é o Bolsonaro”, resumiu Michel Carvalho, assessor da Maxi Capital, depois de tirar uma foto com amigos atrás do letreiro com o nome do evento. Movidos por taxas de retorno, numa visão que se restringe aos negócios, o mercado preza pelo candidato que — em sua opinião — tem menos chances de atrapalhar seu andamento. “Toda vez que escuto uma fala machista, sinto um arrepio. Sei do perfil conservador, e por vezes reacionário, do Bolsonaro. Mas, diante do risco da volta do PT, vou de Bolsonaro”, disse Poliana Viana, sócia fundadora da Ápice Investimentos, escritório de Salvador formado majoritariamente por mulheres.

Por volta das 16 horas da quinta-feira, o ministro do Supremo Tribunal Federal Luís Roberto Barroso falava a uma audiência compenetrada sobre o cenário atual. Afirmou que o momento é “aflitivo” e “angustiante”, devido à proximidade da eleição, mas que as pessoas não deveriam “desanimar”. No meio de sua fala, quando não havia motivo para aplausos, irrompeu uma salva de palmas. Vinha do pessoal que assistia a outra palestra. Barroso fez cara de quem achou a coisa estranha e prosseguiu. “O filme de 30 anos de democracia nos dá motivos para celebrar”, disse. Ele defendeu uma reforma política e reformas econômicas, como a da Previdência e a tributária, o que provocou um sorriso de alívio entre os ouvintes.

A corretora Rio Bravo havia montado um pequeno estúdio de entrevistas num aquário de vidro e chamava palestrantes para depoimentos ao final de suas falas. Na sala VIP da XP, clientes preferenciais, banqueiros e jornalistas se serviam de biscoitos e café enquanto esperavam a próxima atração. Em determinado momento, um operador sênior da XP foi chamado com urgência. Um dos Villela, donos do Itaú, havia sido barrado na entrada do evento por estar sem credencial.

Como em toda feira, cada expositor fazia o que podia para chamar a atenção. No estande da seguradora Mongeral Aegon havia comida: queijo tipo emmenthal Coroa, jamón serrano Josep Llorens e espumante Casa Valduga. Na chamada Arena Trading, entre uma palestra e outra, ocorria um campeonato de simulação de pregão eletrônico, de compra e venda de ações e juros. O prêmio ao trader com melhor desempenho foi um fim de semana, com acompanhante, em um spa de luxo no estado de origem. Havia ainda parede de escalada, campeonato de pênaltis, simuladores de realidade virtual e protótipos de carros de Fórmula 1 com o game Grand Prix. Os melhores competidores, como manda a meritocracia — valor sagrado para os agentes do mercado —, ganhavam prêmios como iPhones, iPads, chopeiras e caixinhas de som da marca JBL.

Uma das palestras mais aguardadas era a de Paulo Guedes, futuro ministro da Fazenda de um eventual governo Jair Bolsonaro. Seu nome era ouvido em cada rodinha. Com comentários para o bem e para o mal. Os mais céticos desconfiavam de sua capacidade de implementar o que diz. “São reformas que dependem de um time econômico competente, alinhado, e que não está claro em nenhum dos lados (Haddad e Bolsonaro). O desafio da política é o que mais me preocupa, pois envolve muito diálogo e articulação no Congresso”, disse-me a economista-chefe da XP, Zeina Latif. “Não é só fazer uma ‘CPMFzinha’ aqui e tocar a vida ali. É algo mais complexo, sobretudo em uma sociedade rachada politicamente.”

A fala de Guedes estava marcada para as 14 horas da sexta-feira. Mas a maioria dos presentes só soube que o economista cancelara sua participação quando o telão informou que ele seria substituído por um analista da XP. Anticlímax geral.

Também se esperava muito do encontro entre dois ex-presidentes que se dão bem: o americano Bill Clinton e o brasileiro Fernando Henrique Cardoso, ambos muito apreciados pelo mercado. Antecedeu o bate-papo a apresentação de Pedro Silveira, o homem da XP em Nova York, que se propôs a fazer um esquenta motivacional, mas apenas leu um texto — o que deixou parte da plateia sonolenta. Quando anunciou que os dois ex-presidentes subiriam ao palco, ele soltou um “Hi, guys” para cumprimentar a dupla, ambos com mais de 70 anos, na frente de 7 mil investidores. Muita gente na plateia se entreolhou e foi ouvido até um “What the f…?” — expressão americana que quer dizer isso mesmo que você pensou.

Sentado embaixo de um telão quadrangular com projeções para os quatro lados do salão, Clinton apelou para que os brasileiros votem com racionalidade. “Você não pode tomar boas decisões num país como este, cheio de ativos maravilhosos, se há raiva e ressentimento”, alertou o ex-presidente americano. “Acreditamos que a democracia é o melhor sistema”, disse. “É tão lenta comparada ao modo como vocês (investidores) conduzem seus negócios. Mas vocês, as pessoas que deram a democracia ao Brasil e as que a restauraram, têm de se perguntar o seguinte: será que vale a pena, para ser livre, aguentar ser lento ou errar novamente?”

Iluminado por holofotes brancos e azuis, FHC adotou um tom semelhante. Alertou que é preciso reforçar os valores democráticos sob pena de “tropeçar”. “A democracia é um valor. Eu sei porque vivi a ditadura. A liberdade de expressão é um valor. Você tem de lutar com os meios disponíveis. Sobreviver nesta selva não é fácil, mas é preciso ter valores. Se não tiver, vai tropeçar”, afirmou. A conversa foi acompanhada sem muita empolgação pelos espectadores, aparentemente alheios ao tema do risco de ruptura democrática.

Foi a vez de o fundador da XP, Guilherme Benchimol, tomar a palavra. Ele, que começou a empresa numa salinha em Porto Alegre, R$ 15 mil em capital, quatro sócios e quatro computadores usados, vendeu o negócio para o Itaú por R$ 6,3 bilhões no ano passado. O segredo do sucesso foi oferecer aos clientes duas coisas que o varejo tradicional jamais pensara: educação financeira, inicialmente por meio de cursos e palestras e depois virtualmente, o que existe até hoje; e acesso a produtos financeiros mais atrativos. De voz pausada, ele contou como fundou a XP — que vale cerca de R$ 12 bilhões —, as dificuldades, os erros e acertos. Disse que sua mulher era estagiária e havia recebido participação na empresa como pagamento — já que eles não tinham dinheiro para remunerá-la melhor. Dezesseis anos depois da empreitada, ela também havia se tornado uma bilionária. Como o combinado, Benchimol avisou que só responderia às perguntas que tivessem recebido mais likes dos presentes. Ficou surpreso quando soube que a que ganhara fora: “Cadê a Ana?”. Ele riu e se apressou em dizer que ela estava em casa, cuidando dos três filhos do casal. A plateia caiu na gargalhada.

Fonte: https://epoca.globo.com/o-brasil-que-mercado-financeiro-quer-23106572

Paulo Eduardo Dubiel
Paulo Eduardo Dubiel
Paulo Eduardo Dubiel é publicitário, jornalista e gestor de negócios e marketing profissional; graduado em Gestão de Marketing, MBA Executivo em Gestão de Negócios, pós-graduado em Gestão da Inteligência Emocional, com extensão em Gestão Pública de ODM – Objetivos do Desenvolvimento do Milênio, Gestão de Resíduos, Gestão Ambiental e Administração do Tempo e demais cursos. Consultor Master com 25 anos de experiência profissional nas áreas estratégicas, táticas e operacionais.

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